Quando aqui chegaram,
os colonos portugueses encontraram um país povoado por índios. Os nativos
indígenas e, tempos depois, a importação de grande número de escravos da África
completa-se a base da população brasileira no período colonial: o português
europeu, o índio e o negro. Apesar da presença do índio e do negro, não há como
negar que a contribuição dos portugueses foi a mais relevante, social, cultural
e linguisticamente.
Como a colonização se
deu primeiro pelos litorais, ao lado do português houve o surgimento de uma língua
geral que era, na verdade, o próprio tupi, principal língua indígena dessas
regiões costeiras, simplificado e gramaticalizado pelos jesuítas. Por volta
de 1809, após expulsão dos jesuítas do território brasileiro e o impedimento do
uso da língua geral pelo decreto do primeiro-ministro Marques de Pombal, o
português torna-se língua oficial. Ao mesmo tempo, começam a surgir traços
específicos do português do Brasil – dizer “minino” (menino), “mi deu” (me
deu), e o não chiar do “–s” implosivo.
Da importação dos
escravos, apesar da diversidade étnica, as duas línguas que mais influenciaram
foram o iorubá e o quimbundo, contribuindo, principalmente, no enriquecimento
do léxico do português brasileiro (caçula, cafuné, moleque). Juntamente
a essas influências formou-se a ideia polêmica de que teriam se formado
“dialetos crioulos” que teriam base portuguesa porém simplificada e alterada.
Tal ideia foi combatida pelos linguistas e será aqui deixada de lado visto que
“as populações indígenas, africanas e mestiças aprendiam o português,
manejando-o de maneira imperfeita” (Almeida Cardoso, Elis de. “A formação
histórica do léxico da língua portuguesa”, A língua que falamos) apenas.
Com
a vinda da família real para o Rio de Janeiro (1808) o português dessa região
foi relutanizado, marcando a pronúncia dessa região até os dias de hoje (“-s”
chiado, por exemplo). Após a independência, houve maior abertura para
influência de outros povos (franceses, italianos, alemães, asiáticos,
holandeses).
O
nheengatu
Na intenção de
provocar êxito comunicativo com os nativos que aqui habitavam, os jesuítas
classificaram o tupi e criaram uma gramática a partir dessa língua então
chamada de língua geral, ou o nheengatu. Na qual foram incorporados português e
índio.
Segundo o
professor José de Souza Martins, do Departamento de Sociologia da Faculdade de
Filosofia da USP - citado por Valdir Sanches no artigo “Sotaque vem do
nheengatu, a língua brasileira” do jornal O estado de São Paulo – o nheengatu
comporia o que chamaríamos “língua brasileira”, uma ponte entre o idioma do
índio e o português europeu. Ainda segundo Martins, apenas os portugueses,
estrangeiros em território brasileiro, falavam o português.
É também no nheengatu que
encontramos o que denominamos por caipira ou dialeto caipira, português com
palavras derivadas do tupi e com certo sotaque do nheengatu. Apresentando
dificuldades no uso de expressões, formas verbais, fonemas presentes no
português os índios fizeram certos “ajustes” que lhes proporcionaram maior
facilidade na comunicação (adição de vogais entre as consoantes como em mulher –
“muié”, orelha – “oreia”; pronúncia retroflexa do “r” no qual a língua toca o
céu da boca – o conhecido “poooorta” do interior). Compõe-se assim, o que
Sanches coloca como “caipirês da roça”.
Mesmo com a proibição do nheengatu
como língua geral e a imposição do português como língua oficial, o “dialeto
caipira” sobreviveu em regiões como a de
São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. Sobreviveram também expressões, palavras
e principalmente topônimos provenientes dessa língua como: Ibirapuera, “ficar
jururu”, cipó, capim, cupim, pipoca, mingau, mocotó, pajé, caipira, caboclo,
mandioca, ipê, jacarandá.
Não se deve nem se pode
considerar o Brasil como país monolíngue, visto a existência de dialetos em
comunidades de alguns estados brasileiros (famílias japonesas na cidade de São
Paulo, por exemplo, e que mantém seus idiomas maternos juntamente com o
português que aqui foram adquirindo conforme necessidade) que mostram
claramente a influência das línguas de outros povos que por aqui passaram.
Durante o
Brasil-Colônia já havia certa diversidade de línguas não apenas entre o
português europeu e o nheengatu mas entre duas formas do próprio “falar
português”, que Renato Basso (“O português na América”, O português da gente,
p.77) coloca como “português brasileiro em formação”, fortemente marcado pela
influência indígena e africana (principalmente no vocabulário e na fonética)
cujos falantes compunham maior parte da população, cerca de 70% como observado
no gráfico apresentado por Renato Basso, p.76 (Fonte: Mattos e Silva (2004)),
no qual de 1538 ha 1890 aumenta o número de mulatos e diminui o de africanos e
índios. A outra forma seria o português mais conservador, que resistia às
interferências e era colocado em contextos oficiais e formais.
Referências Bibliográficas:
CUNHA, C. F. e CINTRA, L. F. Introdução, Caps. I e II. In: Nova Gramática do Português Contemporâneo. 5ª ed. 4ª impr. Rio de Janeiro: Lexikon, 2010 [1ª edição de 1984].
TEYSSIER, P. “O português do Brasil”. [Cap. IV, p. 93 e ss]. In.: História da língua portuguesa. [Trad. Celso Cunha]. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
BEARZOTI FILHO, P. “A Formação do português brasileiro”, p.55. In.: Formação linguística do Brasil. Curitiba : Nova Didática, 2002.
BASSO, Renato. O português da gente: A língua que estudamo, a língua que falamos. São Paulo: contexto
SILVA ANTÔNIO, Luiz, da. A língua que falamos: Português, história, variações, discurso. GLOBO, 2005